Muito se tem discutido acerca dos textos veterotestamentários que trazem as marcas da violência. Tal discussão não é nova, antes, desde os tempos dos pais da igreja, séc. II, tem-se debatido esse assunto. A grande questão, epicentro de toda controvérsia, consiste nas seguintes perguntas: 1) É Deus o autor do mal? 2) As maldades praticadas em nome de Deus, nas páginas do Antigo Testamento (doravante chamado de AT), são por ele ordenadas e ratificadas? 3) Estaria Deus por detrás de todos os homicídios, fratricídios, genocídios, assim como de todas as formas de penas cruéis, impostas pela lei de Moisés? 4) Como explicar a inspiração das Escrituras do AT, caso a resposta para as três primeiras perguntas seja negativa?
Bem, para responder a essas questões, quero primeiramente apresentar minhas bases hermenêuticas, com o fim de justificar as conclusões a que chegarei.
Os escritos bíblicos do AT são como cacos de vidros, de toda e variada espécie, que, num primeiro momento são diferentes e antagônicos, gerando incompatibilidade e incongruências entre si. O mesmo Deus que ordena “não matarás” é o mesmo que “manda” matar um homem, porque este catava lenha em dia de sábado. Deus condena o sacrifício humano, praticado pelos pagãos, que ofereciam seus filhos a Moloque, mas “aceita” o sacrifício da filha de Jefté. Deus ordena que se ame ao próximo como a si mesmo, mas “autoriza” a escravidão e o espancamento, com pau, dos escravos, pelos seus senhores. (Só para citar alguns exemplos).
Diante disso, é preciso encontrar a unidade do pensamento divino, para não se cair em contradição. É mister, pois, que o leitor das Escrituras reúna os cacos e faça um belíssimo vitral, a fim de obter a visão do todo, e não ser enganado com as partes isoladas, que nada definem. Uma vez reunidos (os cacos), já não se tem partes, mas uma unidade de sentido, significativa, capaz de revelar a Deus, verdadeiramente.
A interpretação das Escrituras deve partir do maior para o menor. Ou seja, as partes é que deverão ganhar sentido, a partir do todo, e não o contrário. Senão, o todo ficará comprometido por causa da defesa das partes, que não definem, em si mesmas, o todo. Somente na visão do todo Deus é revelado plenamente. Tentar ver Deus nos “cacos”, ignorando o “vitral”, leva-nos a caricaturar a imagem do Santo, pois reduz o Eterno a uma fração, a qual é incapaz de definir o Infinito.
A função primordial das Escrituras é a revelação de Deus (Jo 5:39, 46; At 28:23; Rm 1:19-20). Portanto, o princípio das partes e do todo significa, na prática, a necessidade de se estabelecer, primeiramente, as premissas referentes ao caráter imutável de Deus – o cerne das Escrituras –, a partir do qual, as partes deverão ser interpretadas. Deus é absoluto; os eventos que constituem a história prosaica e temporal dos filhos de Israel e das nações são relativos.
Peço que leia, então, cada ponto que a seguir apresentarei, sem saltar nenhum, até o fim, para que nenhuma brecha seja deixada no entendimento. Acompanhe-me.
- QUEM É DEUS SEGUNDO AS ESCRITURAS:
- Deus é luz, e nele não há treva nenhuma (1Jo 1:5). Ora, vede. Essa declaração traz profundas implicações, que não raras vezes são ignoradas, a saber:
- Afirmar que Deus é luz e que nele não há treva nenhuma gera uma dicotomia inconciliável. Em Deus não existe, e NÃO PODE HAVER, traço algum, ou mancha, ou presença, das trevas. De sorte que, tão logo eu assumo essa verdade, não posso conferir a Ele, ENQUANTO FONTE, nada que macule a sua natureza. Tudo que procede das trevas, EM NATUREZA, não pode provir da Luz. Por isso está escrito que “é impossível que Deus minta” (Hb 6:18), pois a mentira é filha das trevas (Jo 8:44). Tampouco pode a Luz usar as trevas a seu favor, como instrumento de sua vontade diretiva, aliando-Se a ela para fins de seu propósito, porque Deus não pode negar a Si mesmo (2Tm 2:13).
- O que são as trevas segundo as Escrituras? Ora, é tudo aquilo que não é luz. Isto é, aquilo que não é Deus, e, portanto, diabólico, como o próprio nome sugere pelo prefixo die: separação. Tudo pois que nasce da separação da Luz é trevas. João, em sua primeira epístola, afirma que o ódio e a morte são produtos das trevas, e, por isso, não pode provir de Deus. Eis a razão e o argumento joanino, irrefutável, de que, AQUELE QUE DIZ PERMANECER NELE DEVE ANDAR COMO ELE ANDOU. Afinal, como pode alguém afirmar que está n’Ele – que é luz, amor e verdade –, e ao mesmo tempo odiar a seu irmão, e chegar ao auge da amargura e MATAR o seu irmão? (1Jo 2:6-11). Estar na luz e, ao mesmo tempo odiar e matar, é IMPOSSÍVEL, pois Deus é luz, e nele não há treva nenhuma. Se está em Deus não há ódio; se não há ódio, não há vingança; se não há vingança não há morte, enquanto ato de execução.
- Deus é amor (1Jo 4:8). Esta é outra revelação da natureza santa de Deus que nos leva, inevitavelmente, a rejeitar qualquer barbárie praticada ou ordenada por Ele. Se Deus é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hb 13:8), EM QUEM não pode haver variação ou sombra de mudança (Tg 1:17), devo interpretá-lO, quanto a Ele mesmo, não aos homens, como sendo e agindo em conformidade com o seu caráter de amor. Ora, “o amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus próprios interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça… tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Co 13:4-7). Como, pois, poderia eu entender que este Deus-amor pudesse ordenar tais coisas:
- “Se alguém ferir a seu escravo ou a sua escrava com pau, e este morrer debaixo de sua mão, certamente será castigado; mas se sobreviver um ou dois dias, não será castigado; PORQUE É DIREITO SEU” (Ex 21:20-21);
- “por isso assim diz o Senhor Deus: Eis que eu, sim, eu estou contra ti; e executarei juízos no meio de ti aos olhos das nações. E por causa de todas as tuas abominações farei sem ti o que nunca fiz, e coisas às quais nunca mais farei semelhantes. Portanto OS PAIS COMERÃO A SEUS FILHOS no meio de ti, e OS FILHOS COMERÃO A SEUS PAIS…” (Ez 5:8-10);
- “Disse, pois, o Senhor a Moisés: Toma todos os cabeças do povo, e ENFORCA-OS AO SENHOR diante do sol, para que a GRANDE IRA DO SENHOR se retire de Israel” (Nm 25:4);
- “Disse o Senhor a Josué: Não os temas, pois amanhã a esta hora eu os entregarei TODOS MORTOS diante de Israel. Aos seus cavalos CORTAREIS OS TENDÕES DE SUAS PERNAS, e a seus carros queimarás a fogo” (Js 11:6);
- “Feliz aquele que pegar teus filhos e ESMAGÁ-LOS CONTRA A PEDRA” (Sl 137:9);
- “E dize à terra de Israel: Assim diz o Senhor: Eis que estou contra ti, e tirarei a minha espada da bainha, e exterminarei do meio de ti O JUSTO e O ÍMPIO. E, por isso que hei de exterminar do meio de ti O JUSTO e O ÍMPIO, a minha espada sairá da bainha CONTRA TODA A CARNE, desde o sul até o norte” (Ez 21:3-4).
- DEUS NÃO É MAQUIAVÉLICO. Alguns estudiosos das Escrituras procuram harmonizar as violências do AT com o amor do Pai, revelado no Novo Testamento (doravante chamado de NT), na pessoa de Seu Filho. Para tanto, utilizam-se do seguinte argumento: “Embora seja sempre o mesmo, Deus revelou-se, ao longo da história, segundo o grau de consciência dos homens, em cada tempo. Isso significa que, embora sendo amor, Deus utilizou-se da cultura, do modo de organização política, da barbárie comum aos de então, dos conceitos rudimentares acerca do valor da pessoa humana, com o fim de revelar-Se e levar a cabo os Seus propósitos. Assim, quando Deus ordenava que se mutilasse um animal, ou que matassem crianças inocentes, ou que destruíssem nações inteiras, os homens daquele tempo não viam aquilo como sendo mal, ou perverso, como nós do século XXI consideramos; Deus, então, aproveitava-Se da consciência involuída dos homens, usava de seus mecanismos animalescos, com o fim de fazer conhecido o Seu poder, Sua soberania, revelando-Se como o Deus todo-poderoso, o Senhor dos exércitos”. A ISSO CHAMAM REVELAÇÃO PROGRESSIVA. Mas, vejamos aonde chegaremos se aceitamos tal argumento:
- REVELAÇÃO PROGRESSIVA é a revelação paulatina de Deus, de sua natureza e caráter, ao longo dos tempos, mediante as Escrituras. Seria contraditório se Deus, querendo revelar-Se aos homens de determinado tempo, Se igualasse a eles, condescendendo-Se à ética e moral caídas. Tal revelação, ao invés de elevar os homens a Deus, rebaixa Deus à condição de homem caído, pois, não somente estaria Deus a ratificar a tirania, como também estaria a ordenar a continuidade do mal, NEGANDO-SE A SI MESMO.
- Se assim fosse, Deus cairia naquela velha máxima de Maquiavel (se bem que a máxima não foi cunhada por ele, mas traduz o seu pensamento): “Os fins justificam os meios”. Ou seja, Deus teria agido por meio de um povo bárbaro, cometendo toda sorte de atrocidades; e, embora esses atos fossem contra a Sua natureza e caráter, o importante era a revelação final de Sua força sobre todos os que não cumprem a Sua vontade. Para Maquiavel, o essencial é que os príncipes mantivessem a plena soberania do Estado, não importando se, para isso, tivessem que matar, exterminar, exilar, torturar.
- COMO ENTENDER OS TEXTOS VETEROTESTAMENTÁRIOS:
- A Bíblia, embora composta de sessenta e seis livros, constitui-se num único livro, cuja unidade de sentido deve ser buscada dentro dela mesma. Os estudiosos das Escrituras precisam, pois, identificar sua hermenêutica, a fim de obter conclusões compatíveis com o que ela própria quer ensinar. Tomar o caráter de Deus, revelado na pessoa de Seu Filho, como premissa de interpretação, é o primeiro e grande princípio, conforme fizemos no tópico primeiro deste artigo. O segundo grande princípio é identificar a natureza dos escritos do AT, e o modo como foram interpretados pelos profetas.
- Tendo em vista que as Escrituras passam pelo olhar interpretativo do homem, pois Deus não anula a consciência humana no seu tempo, deve-se concordar que há nela elementos antropológicos. Isso acontece mesmo no NT. Quando João, no Apocalipse, disse que haveria uma chuva de estrelas sobre a Terra (6:13), não se referia certamente a estrelas; mas esse era o conhecimento que ele tinha então, e, mesmo assim, Deus não o corrigiu, ensinando-lhe coisas que só viriam à tona, séculos depois. Um erro de natureza astronômica está cometido nas páginas do último livro da Bíblia. Mas isso não pode ser conferido a Deus, nem tampouco à inspiração das Escrituras. Os homens falam o que recebem de Deus, mas esse falar vem misturado com o seu conhecimento possível, e sua compreensão presente.
- Tudo isso, porém, não invalida os juízos de Deus. As Escrituras estão fartas de declarações, de que Deus há de julgar os homens. Os juízos de Deus, entretanto, ocorrem passivamente. O apóstolo Paulo, ao se referir a ira de Deus, que se revela do céu, afirma que “DEUS OS ENTREGOU”, numa clara afirmação de que, os homens sofrem o juízo divino, quando dele se afastam (Rm 1:18 e 24). De sorte que, a única maneira de se livrar do juízo é voltar-se a Deus, em plena reconciliação com Ele (Sl 2:12). E isso é dito em lúcida referência àqueles que romperam os laços e quebraram as algemas com Deus (Sl 2:1-3). Por isso, afirmou Paulo, em referência ao juízo passivo de Deus: “Não vos enganeis; Deus não se deixa escarnecer; pois TUDO O QUE O HOMEM SEMEAR, ISSO TAMBÉM CEIFARÁ” (Gl 6:7). Ou seja, o homem é quem planta, e ele é quem colhe o que plantou. Essa é a lei da semeadura, a qual Deus estabeleceu em toda a Sua criação.
Sim, a releitura do AT à de Cristo revelado, é de fundamental importância para entendermos que Que Deus é Luz e nele não há trevas!
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